A edição do código genético já foi a ambição de muitos cientistas, e a espiração de diversos roteiristas de filmes de ficção científica. Mas graças ao trabalho da bioquímica e professora da Universidade de Berkley Jennifer Doudna, este sonho biotecnológico pode estar a um passo de distância.
A CRISPR é uma nova ferramenta de edição de genoma que pode transformar esse campo da
Uma explicação rápida para isso é que a CRISPR permite que cientistas modifiquem genomas com uma precisão nunca antes atingida, além de eficiência e flexibilidade. Os últimos anos foram cheios de conquistas para a CRISPR, que criou macacos com mutações programadas e também evitou a infecção do HIV em células humanas. No começo deste mês, cientistas chineses anunciaram que aplicaram a técnica em embriões humanos, o que dá uma dica dos potenciais da CRISPR para curar qualquer doença genética. E sim, isso pode nos levar à era do design de bebês (no entanto, como os resultados desse estudo nos mostram, ainda estamos longe de conseguir levar essa tecnologia para a medicina).
Em resumo, a CRISPR é muito melhor do que técnicas antigas de edição genética. E sabe o que é mais interessante? Essa técnica não foi inventada por cientistas.
A CRISPR/Cas9 vem de bactérias estreptococos…
A CRISPR é na verdade um mecanismo de defesa antigo e natural encontrado em diversas bactérias. Nos anos 1980, cientistas observaram um padrão estranho em alguns genomas bacterianos. Uma sequência de DNA poderia ser repetida diversas vezes, com sequências únicas entre as repetições. Eles chamaram essa configuração estranha de “agrupados de curtas repetições palindrômicas regularmente interespaçadas”, ou CRISPR, na sigla em inglês.
Isso era um enigma até cientistas perceberem que as sequências únicas entre as repetições combinavam com o DNA de vírus — especificamente de vírus que são predadores de bactérias. A CRISPR é uma parte do sistema imunológico bacteriano, que mantém partes de vírus perigosos ao redor para poder reconhecer e se defender dessas ameaças durante os próximos ataques. A segunda parte desse mecanismo de defesa é um conjunto de enzimas chamadas Cas (proteínas associadas à CRISPR), que podem cortar precisamente o DNA e eliminar vírus invasores. Convenientemente, os genes que codificam para o Cas são sempre os que estão próximos às sequências CRISPR.
Eis como os sistemas trabalham em conjunto para acabar com os vírus, como
Carl Zimmer explicou no Quanta:
Conforme a região CRISPR se enche com o DNA de vírus, ela se torna uma galeria das moléculas mais procuradas, representando os inimigos que o micróbio encontrou. O micróbio pode então usar esse DNA viral para transformar as enzimas Cas em armas guiadas com precisão. Depois, o micróbio copia o material genético em cada espaçador e o coloca em moléculas RNA. As enzimas Cas deslizam pela célula. Se encontrarem material genético de um vírus que corresponde a um RNA CRISPR, o RNA o prende. As enzimas Cas então cortam o DNA em dois, impedindo a replicação dos vírus.
Existem diversas enzimas Cas, mas a mais conhecida é chamada Cas9. Ela vem da Streptococcus pyogenes, uma bactéria conhecida por causar infecção na garganta. Juntos, eles formam o sistema CRISPR/Cas9, frequentemente abreviado para apenas CRISPR.
É uma forma mais precisa de edição de genoma…
A esta altura, você talvez já esteja ligando os pontos: a Cas9 é uma enzima que corta DNA, e a CRISPR é uma coleção de sequências de DNA que dizem à Cas9 onde exatamente deve cortar. Tudo o que os biólogos precisam fazer é fornecer à Cas9 a sequência correta, chamada RNA guia, e pronto, você pode cortar pedaços de sequências de DNA no genoma onde você quiser.
A Cas9 consegue reconhecer uma sequência com até 20 bases, assim pode ser usada para agir em genes específicos. Tudo o que é necessário fazer é projetar uma sequência-alvo usando umaferramenta online e então ordenar para o RNA guia agir. Em questão de alguns dias a sequência-guia chega pelo correio. Você pode até consertar um gene defeituoso ao cortá-lo com CRISPR/Cas9 e então injetar uma cópia normal na célula. Ocasionalmente, no entanto, a enzina acaba cortando o lugar errado, e esse é um dos principais obstáculos para um uso amplo do sistema.
… e muito mais eficiente…
Camundongos cujos genes foram modificados ou desabilitados são a força de trabalho da pesquisa biomédica. Pode demorar até um ano para estabelecer uma nova linha de camundongos geneticamente alterados com técnicas tradicionais. Mas leva apenas alguns meses com a CRISPR/Cas9, salvando a vida de muitos camundongos e economizando tempo.
Tradicionalmente, um desses camundongos é criado com o uso de células-tronco. Pesquisadores injetam a sequência alterada de DNA nos embriões dos camundongos, e torcem para eles serem incorporados através de um processo raro chamado recombinação homóloga. Alguns camundongos da primeira geração serão quimeras, e seus corpos serão uma mistura de células com e sem a sequência mutada. Apenas algumas das quimeras terão órgãos reprodutivos que produzem esperma com a sequência alterada. Pesquisadores então cruzam essas quimeras com camundongos normais para conseguir uma segunda geração, e torcem para que alguns deles sejam heterozigotos, ou seja, carregando uma cópia normal do gene e uma modificada em cada uma das células. Se você cruzar dois desses camundongos heterozigotos, poderá conseguir uma terceira geração de camundongos com duas cópias desse gene mutante. Então são necessárias ao menos três gerações de camundongos para conseguir um mutante experimental para pesquisas. Veja tudo isso resumido em uma linha do tempo:
Inúmeras são as vantagens obtidas pelo emprego do sistema CRISPR uma vez que trata-se de uma metodologia rápida, fácil com baixo custo e principalmente com alta taxa de sucesso devido a sua alta sensibilidade para o reconhecimento de sequências específicas presentes no DNA alvo de células em cultura ou até mesmo em modelos animais [30] .
Com o emprego desta metodologia é possível avançar mais rapidamente no ramo da engenharia genética e no estudo funcional gênico, o que pode ser justificado pela capacidade desta ferramenta em excluir ou modificar genes específicos para obtenção de organismos geneticamente modificados passíveis de serem empregados como modelo de estudo para compreensão de condições fisiopatológicas nas mais diversas espécies
Fontes: Gizmodo Brazil; Wikipedia; Jennifer Doudna Artigos